dezembro 14, 2009

Sobre Faxineiros e Banqueiros

Circulou pela imprensa um estudo de uma organização chamada New Economics Foundation propondo que o valor do trabalho de faxineiros e auxiliares de enfermagem seria superior, por exemplo, ao de banqueiros e contadores. Este instituto, entre outras propostas, prega políticas a favor de um teto para o diferencial de salários entre profissões, novos modelos de propriedade (???), tudo isto através de regimes de tributação fortemente progressivas e políticas verdes. Tudo coisa boa, para a criação do "outro mundo possível".

Para não discutir outros pontos do estudo, eu gostaria de focar a minha crítica ao próprio método usado para obter o "valor social" dos empregos citados. A suposta diferença, de acordo com o estudo, é que o "valor social" dos empregos consideram efeitos de externalidade dos rendimentos para a sociedade. Entretanto, como esperado, nem todas as externalidades são consideradas no cálculo final. Por exemplo:

1) Para calcular o valor do emprego de um banqueiro, considerou-se as projeções do PIB do Reino Unido feitas entre 2008 e 2009 para o ano de 2014 (ver página 30). Como estas projeções apontaram para valores menores do PIB para o ano-base, inferem os autores que houve uma "perda social" do emprego do banqueiro, causador da crise. Desconsideram, infelizmente, os autores, que o mundo não acaba em 2014. Na verdade, eu poderia argumentar, como o filme, que o mundo acaba em 2012. Mas, se fosse mais razoável, deveria também considerar todos os ganhos para a sociedade dos últimos 80 anos, quando o PIB inglês, como em todo o resto do mundo, cresceu a taxas admiráveis.

2) O estudo também assume que cada criança colocada no "child care" permitiria o ganho de um ano de salário para os pais. Como o estudo considera o salário médio de um ano do inglês como o retorno de um filho, está também assumindo que as famílias mais pobres, que não podem pagar pelo "child care", teriam um retorno igual ao de famílias que podem pagar pelo auxílio. Ou seja, o que não existe (pobres colocando crianças no "child care") conta. Mais do que isto: no outro extremo da distribuição, o estudo assume que banqueiros, que podem pagar pelo auxílio para crianças, teriam o rendimento do trabalhador médio. Ora, por definição do item anterior, banqueiros destruíram a riqueza do país. Infelizmente a externalidade das enfermeiras que cuidam dos filhos dos banqueiros não parece fazer parte da conta. Se fizessem, enfermeiras estariam ajudando a destruir a riqueza do Reino Unido.

3) Raciocínio análogo ao anterior vale para as enfermeiras (ver página 33): acredito que nenhum banqueiro que tenha sofrido com úlceras, apendicites, derrames e outros males ao receber as más notícias da crise tenha ficado sem atendimento médico. Ao manterem o atendimento a estes destruidores de riqueza, as enfermeiras ajudaram, obviamente, a continuar este ciclo perverso de redução do "valor social" do emprego. Entretanto, mais uma vez, esta externalidade não é considerada no estudo.

Enquanto estes fatores, entre (muitos) outros, não forem levados em conta, estes estudos não podem ser levados a sério. Agora, com licença, mas eu preciso continuar destruindo um pouco do "valor social" da minha pesquisa, já que nenhum faxineiro se ofereceu para limpar a minha casa em troca da leitura de um dos capítulos da tese. É provável que algum banqueiro se interesse.

Abraços!

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