dezembro 15, 2009

Taxa de Câmbio, Asset Pricing e o Debate

O Shikida fez observações sobre um post do Adolfo Sachsida a respeito dos debates sobre a taxa de câmbio no Brasil e a forma de conduzir política cambial. Segundo o Adolfo:


O lado triste do encontro da ANPEC e da SBE fica por parte do silêncio absoluto de vários pesquisadores ortodoxos sobre a taxa de câmbio. Os heterodoxos nadaram de braçada no encontro: sempre havia um deles disposto a defender algum mecanismo de ajustamento do preço do câmbio (claro que nenhum deles sugere o óbvio: abrir o mercado).

Digo que isso é triste, pois mostra uma falta de força, ou de vontade, de intervir no debate nacional num momento crítico. O conhecimento traz consigo responsabilidades, e os ortodoxos brasileiros estão se esquivando desse debate. Uma pena, pois cedo ou tarde o preço disso irá aparecer.
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A questão da taxa de câmbio, sob uma perspectiva não-heterodoxa (dêem aqui o rótulo que quiserem, quem acompanha o blog sabe que não gosto disto), deve ser vista sob três ângulos distintos: 1) a determinação do nível do câmbio de equilíbrio (que, sob algumas hipóteses, pode ser derivado de um modelo com micro-fundamentos, seja sob preços rígidos ou flexíveis); 2) a dinâmica da taxa de câmbio (o que determina as suas flutuações); 3) a política ótima de condução do câmbio (livre flutuação, "flutuação suja", "banda endógena diagonal" - ops!!! -, câmbio controlado). Para antecipar o que vou tentar mostrar aqui, afirmo que é possível fazer inferências educadas sobre (1), não sabemos nada sobre (2), mas, mesmo assim, é possível tratar do problema (3).

Sobre a determinação do que seria um câmbio de equilíbrio (o problema (1)), os modelos recentes têm tratado a taxa de câmbio real (RER) de equilíbrio como o valor que equilibra, em termos intertemporais, o balanço de pagamentos. Estruturas mais simples, assumindo, por exemplo, a validade da Lei do Preço Único, normalizam a RER para a unidade, e tratam, eventualmente, das suas flutuações. Em estruturas mais complexas, com hipóteses, por exemplo, sobre a formação de preços de produtos importados domesticamente, ou de produtos de fabricação doméstica vendidos no exterior, é possível obter valores "não-normalizados" para este número. Logo, sob determinadas hipóteses, é possível, sim, dizer o que seria o valor da RER de equilíbrio para uma economia.

A questão (2) é um problema mais antigo, que vem desde a formulação do modelo mais básico de equilíbrio geral disponível: entender por que a taxa de câmbio foge persistentemente do seu valor de equilíbrio é um problema de precificação de ativos ("asset pricing") que não foi resolvido até hoje: é o famoso "Equity Premium Puzzle". Lembre-se que o preço da moeda estrangeira é derivado da condição de paridade entre o retorno de títulos negociados no mercado doméstico com os títulos negociados nos mercados financeiros internacionais (a famosa UIP). Logo, os mesmos problemas verificados com a precificação de títulos no problema do retorno do investimento também se aplica à taxa de câmbio. Neste caso, não existe modelo com base em microfundamentos capaz de explicar a variabilidade da RER sem prejudicar o ajuste das outras variáveis do sistema (e sei disto por experiência própria, no trabalho da tese). E aqui, esta explicação vale para ambientes de preços fixos, rígidos ou flexíveis.

Por fim, a questão (3) tem sido avaliada, sim. Inclusive com pesquisadores brasileiros dando boas opiniões sobre o tema. Destaque, por exemplo, para Bianca De Paoli, em paper no Journal of International Economics, mostrando que a política que maximiza o bem-estar é condicionada ao papel dos bens importados na economia doméstica (se complementares ou substitutos), com a política ótima variando entre o "inflation target" do índice de preços ao consumidor (CPI), passando pelo índice de preços ao produtor doméstico (PPI), e até mesmo o "crawling peg".

Por que não se fala mais sobre isto? Resumo: porque não sabemos o que falar. Análises heterodoxas dão um pulo fenomenal, e errado, em termos de análise do tema: assume-se que existe um valor de RER de equilíbrio e que todo o desvio deste valor é uma distorção que deve ser combatida. Como, na definição heterodoxa, o mercado não garante o retorno RER para o seu valor ótimo, a política ótima passa a ser o controle total deste preço. Por mais que os seus autores não gostem ou não acreditem em definições de equilíbrio, assume-se que todo o desvio deste valor é ruim, e que deve ser combatido através de intervenções - daí o "pulo" que citei anteriormente. Análises não-heterodoxas entendem os problemas sobre a determinação da dinâmica do câmbio e sabem que, no futuro, um prêmio Nobel será concedido ao autor da façanha de escrever um modelo que descreva tal dinâmica de modo consistente.

Por fim, (mais) um grão de areia na análise do Adolfo. Diz ele: "[A]s escolas devem ser consistentes com o que ensinam: se você ensina que preços devem ser flexíveis, então deve ensinar também que o câmbio deve ser flexível. Câmbio é preço e do ponto de vista ortodoxo preços devem ser flexíveis." Fica a pergunta: sim, preços deveriam ser flexíveis, seja no câmbio, seja na gasolina, seja na cerveja, seja no cigarro. Isto leva aos melhores resultados em termos de bem-estar. Entretanto, e se os preços não forem flexíveis? Existe uma vasta literatura tratando sobre rigidez de preço no nível microeconômico (para citar três: Bills e Klenow (2002), Steinsson e Nakamura (2008) e Eichenbaum, Jaimovich e Rebelo (2008)), e, em todos os trabalhos, a maior frequência do ajuste de preços é de uma mudança a cada 4,3 meses. E, notem, todos estes trabalhos lidam com o que, no Brasil, se chama de "preços livres", não regulados pelo governo. Pode-se argumentar que a decisão de não mexer nos preços é uma decisão ótima, ao invés de uma hipótese qualquer de "sticky prices". Mesmo assim, a decisão de não ajustar preços resulta em distorções no mercado que são observacionalmente equivalentes a estes modelos. Como atingir o maior grau de bem-estar possível neste caso? Citei, com o paper de Bianca De Paoli, apenas um trabalho onde a resposta não é óbvia em termos de política econômica. Fica a agenda de pesquisa.

Abraços!

P.S.: antes que pipoquem acusações que defendo intervenções, que não concordo com a abertura de mercado, noto que já tinha feito a mesma sugestão do Adolfo na área de comentários em um post do Cristiano Costa.

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